O CASAMENTO, A MISOGAMIA E SANTO AGOSTINHO

   Santo Agostinho, o principal teólogo do quarto século, abraçou a fé no dia 25 de abril do ano 387, junto ao seu filho "ilegítimo", deixando para trás sua esposa e sua segunda amante. Ele já havia rompido com sua primeira concubina, a mãe de seu filho, depois de 17 anos vivendo juntos. Ele transformou sua casa em Hipo num mosteiro, e como bispo de Hipo, fez muitas contribuições literárias para o Cristianismo. Infelizmente, seus pontos de vista a respeito da sexualidade foram tristemente afetados pelo temperamento monástico da época, talvez para contrapesar, em excesso, a liberdade sexual a que se entregou na sua juventude.
   Foi Santo Agostinho que, segundo Nigel Davies em The Rampant God, "deu a última palavra nos preconceitos anti-sexuais da Igreja" (Davies, 1984:180). Antes de se tornar cristão, Santo Agostinho estudara os trabalhos de Plotino, e por onze anos fora membro da seita Maniqueana, cujo fundador ensinava que Adão e Eva foram resultado dos filhos do Diabo fazerem sexo, e que a procriação era meramente mais outra impiedade da criação do Príncipe das Trevas.
   Todavia, Santo Agostinho considerava o sexo um mal necessário, embora certamente não fosse algo para ser desfrutado. Ele até achava permissível desposar uma segunda esposa se a primeira fosse estéril, e admitiu relutantemente que Adão e Eva talvez tivessem tido relações sexuais no Paraíso antes da sua Queda, mas teorizou que era um ato muito frio, mecânico feito por dever e sem paixão. Depois de ousar sugerir a possibilidade de terem tido relações sexuais no Paraíso, logo assegura seus leitores de que com certeza não o desfrutaram.

   Pereça tal idéia de que tenha havido qualquer excitação descontrolada, ou qualquer [excitação tão grande que alguma vez teriam] necessidade de resistir ao desejo! (Agostinho cap. dois epíst., Pelag.I 34,17).

   A postura de certa forma moderada de São Clemente de Alexandria (150-200 D.C.), um antigo teólogo, talvez tenha ajudado a abrandar o ataque de Agostinho ao sexo, ou simplesmente refletiu a mudança de atitude em relação ao sexo que havia acontecido na Igreja. Clemente, sendo ele próprio um monge celibatário, ensinou que os que condenam o sexo dentro do casamento se opunham aos ensinamentos dos Evangelhos, e que o casamento contribuía para o bem-estar espiritual de cristãos fiéis. Desaconselhava, porém, a prática de sexo por prazer em vez de para a procriação, "alegria voluptuosa" como ele o chamava. [12] (Brundage, 1987:66,67).
   Muitos contemporâneos de Santo Agostinho eram igualmente frios em relação ao coito humano, e portanto frios em relação às mulheres em geral. Alguns dos primeiros monges tornaram-se tão anti-sexo que todos eles praticamente declararam que Deus era um Criador inepto, que obviamente deveria ter inventado uma maneira melhor de resolver o problema da procriação. Arnóbio (317 d.C.) chamou o ato sexual de sujo e degradante, e declarou que seria blasfêmia sequer imaginar que Jesus havia sido "fruto do coito vil e que veio à luz como resultado de um jorro de sêmen sem sentido, um produto de tateios obscenos"[13] (Brundage, 1987:64).
   Metódio achava que o sexo era "indecente," e Ambrósio, uma "contaminação". São João Crisóstomo, o orador "boca de ouro" do quarto século, teve pouca coisa boa a dizer sobre o belo sexo em geral: "Entre todos os animais selvagens, não se encontra nenhum tão nocivo quanto a mulher."

   Tertuliano tinha tanta aversão ao sexo que repudiou publicamente o seu próprio relacionamento sexual com sua esposa e ensinou que o ato sexual afasta o Espírito Santo. Declarou ele: "As mulheres são a porta do Diabo: através delas Satanás penetra no coração e nas mentes dos homens, e opera seus estratagemas para produzir neles a destruição espiritual."[14] São Tomás de Aquino no século treze demonstrou uma atitude pouco melhor, dizendo que: "As mulheres são defeituosas e acidentais... um macho que deu errado... o resultado de alguma fraqueza na capacidade generativa do pai" (citado em Rice, 1990:138). Um ensinamento comum durante aquela época ensinava que as mulheres e a metade inferior dos homens foram criados pelo Diabo.[15]

Nenhum comentário:

Postar um comentário