ASSEXUAR E CENSURAR A BÍBLIA

   O antídoto para esta agressão anti-sexual ao Cristianismo teria sido retornar à luz liberadora da Palavra de Deus, mas isso só aconteceria vários séculos depois. Com o ajuntar das nuvens negras da heresia gnóstica e do ódio ao corpo dentro do Cristianismo, a sexualidade humana deixou de ser vista como uma linda bênção, um Cântico dos Cânticos, uma dádiva de Deus, para ser considerada uma maldição cruel e tentadora que arrastava toda a humanidade para as próprias chamas do Inferno.
   Algumas passagens das Escrituras se tornaram muito problemáticas pois simplesmente não sustentavam esta atitude anti-sexual. Assim, a nova ordem mundial anti-sexo da Idade Média julgou apropriado limitar a leitura da Bíblia, na prática, removendo a Bíblia de circulação, substituindo-a por longas listas de regras e regulamentações, castigos e penitências, e explicações anti-sexuais e novas interpretações da Palavra de Deus.
   Alguns dos primeiros estudiosos da religião ficaram tão pouco à vontade com o que as Sagradas Escrituras realmente diziam, que decidiram escrever a sua própria versão. Parte disso ainda existe e contém numerosas passagens anti-sexo que degradam o casamento classificando-o de "modo de vida obsceno", ou o denominam de "uma experiência da serpente", ou dizem que Jesus veio para "destruir as obras [sexuais] da fêmea." Felizmente tais escritos como Os Atos de André, Os Atos de João [16], etc., acabaram no lixo e não no Novo Testamento.
   Orígenes (185-254 D.C.), um antigo monge, embora no fundo fosse um filósofo grego, ficou tão perturbado com a sua própria sexualidade que dizem que se castrou, para ser um eunuco ao pé da letra. Contudo, ao fazê-lo, acabou com a sua chance de ser canonizado devido a preocupação com certas regras no Antigo Testamento quanto a homens emasculados. Orígenes desaprovou especialmente os Cantares de Salomão, avisando os Cristãos: "Qualquer um que ainda não está livre da afronta da carne e do sangue a ainda não cessou de sentir o desejo da natureza de seu corpo, deveria se abster completamente de ler este livro" (citado por Francoeur).
   Orígenes queria certificar-se de que esta descrição bíblica altamente erótica do ato sexual impetuoso centralizado em Salomão, o rei com 700 esposas e 300 concubinas (I Reis 11:3), seria visto pelas gerações subseqüentes como puramente alegórico. Interpretações rabínicas deram aos Cantares significados simbólicos, mas não ignoraram a mensagem literal do amor e da paixão humanos dos Cantares.
   São Jerônimo também se incomodava com esta "história de mau gosto", e ensinou que não se tratava realmente de sexo com o homem amado, mas sim de virgens que mortificavam a carne. Outros cérebros monásticos ensinaram que a mulher nos Cantares representava Cristo, e os dois seios mencionados eram o Antigo e o Novo Testamento.
   Francouer faz a seguinte observação interessante sobre os Cantares de Salomão:


   A história das reações judias e cristãs ao Cântico dos Cânticos é um microcosmo da evolução da cultura ocidental, passando de uma perspectiva hebraica que aprova o sexo para uma cristã sexualmente negativa, pouco à vontade com o erotismo, sensualidade, paixão e prazer.

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