EREMITAS E HERESIAS

   Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula (São Paulo, Hebreus 13:4).

   Nos primeiros trezentos anos da sua existência, a Igreja impôs poucas restrições ao seu clero a respeito do casamento. O celibato, como Paulo aludiu, era uma questão de opção (Thomas, 1986:8).

   Longe de receber as alegrias do coito humano com ação de graças, certos expoentes da religião, fortemente influenciados pelas tradições e ensinamentos gregos, romanos e persas, e enfatizando ao máximo a preferência pessoal de São Paulo pela abstinência sexual, lançaram-se contra todo o sexo. Homens como Tertuliano [9] (150-230 D.C.), São Jerônimo [10] (331?-420 D.C.) e Santo Agostinho (354-430 D.C.) colocaram o seu carimbo de aprovação na doutrina de que a sexualidade humana era fundamentalmente detestável.
   Os monges ascéticos do século IV tornaram o celibato e o sofrimento por amor a uma maior espiritualidade, algo muito em voga [11] e, como Philip Sherrard descreveu em Christianity and Eros, eles começaram a ensinar que "somente através do celibato monástico poderia o homem recobrar aquele estado natural - e assexuado - no qual [o homem] fora originalmente criado ‘à imagem' de Deus’" (Sherrard, 1976:8).
   Começou a pensar-se que o Céu era um lugar sem sexo, embora por todas as descrições das testemunhas oculares do Novo Testamento, o próprio Jesus parecia ter sobrevivido a transição para o Seu novo corpo com toda a Sua masculinidade ainda claramente evidente, e de forma apropriada para um noivo que espera a sua noiva. A mentalidade monástica pegou o versículo em que Jesus disse que os homens e as mulheres não casariam nem seriam dados em casamento no Céu, com prova do celibato celestial. Contudo, longe de provar que uma eternidade assexuada aguarda os fiéis, poderia muito bem significar que o Céu será mais liberal sexualmente do que a maioria das pessoas imagina agora.
   David Rice, um ex-padre, nos diz no seu livro Shattered Vows, que os primeiros ensinamentos e práticas anti-sexuais adotados por esta classe celibatária de clérigos em ascensão, foram "emergidos no gnosticismo, uma das heresias mais antigas e persistentes, que encara o corpo como algo mau e somente o espírito como algo bom" (Rice, 1990:139).
   Robert T. Francouer, um padre católico e membro da Sociedade para o Estudo Científico do Sexo, é professor de Embriologia e Sexualidade Humana na Universidade Fairleigh Dickenson, e escreveu nada menos que vinte livros sobre a sexualidade humana. Este escritor e acadêmico muito respeitado, na sua dissertação The Religious Suppression of Eros, nos dá o seguinte sumário do descarrilhamento sexual do Cristianismo:

   “Para compreender como a primitiva cultura hebraica que aprovava o sexo evoluiu até chegar ao constante desconforto do Cristianismo em relação ao com o sexo e o prazer, temos que olhar para três linhas entrelaçadas: a cosmologia dualista de Platão [isto é, a alma e a mente estão em conflito com o corpo], a filosofia estóica da antiga cultura greco-romana [isto é, nada deveria ser feito por prazer], e a tradição gnóstica persa [isto é, que os demônios criaram o mundo, o sexo e seu corpo - onde sua alma está presa, e a chave para a salvação é libertar o espírito da escravidão do corpo ao renegar a carne]. Dentro de três séculos depois de Jesus, estas influências combinaram-se para seduzir os pensadores Cristãos  a uma excessiva rejeição da sexualidade humana e do prazer sexual.”

   Muitas pessoas esquecem que a sociedade grega, amante dos prazeres, continha também extremos ascéticos anti-sexo. Até mesmo Epicuro, que adorava a boa comida, condenou o sexo dizendo: "As relações sexuais nunca beneficiaram homem algum" (Davies, 1984:176). Diógenes, um famoso cínico grego, vivia numa tina para fugir das tentações da carne, e os gregos estóicos somente permitiam o sexo para procriação. Foram estas e outras forças ascéticas, não as expressões sensuais da cultura grega, que afetaram mais o Cristianismo.

   Platão, embora fosse inclinado a aceitar prostitutas, homossexuais e pedofilia, ensinou todavia em As Leis, que o mundo seria um lugar melhor se todo o sexo fosse "suprimido". Tanto Sócrates como Platão ensinaram que toda a atividade sexual era prejudicial à saúde da alma. Os ensinamentos de Platão foram revisados no terceiro século, e Plotino, o principal protagonista deste neoplatonismo, denegriu o sexo muito mais ainda do que Platão, ensinando que se poderia alcançar êxtases místicos negando o corpo.

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