A REPRESSÃO DO EROS

   Alguns dos regimes e épocas sexualmente mais repressivos da História também são marcados por grande ignorância das Sagradas Escrituras, quer por meio de repressão, rejeição ou interpretação errônea da Palavra de Deus. Ensinamentos repressivos e sexualmente negativos da igreja logo fizeram da Bíblia um livro praticamente banido, que deveria ser inacessível aos leigos, os quais poderiam "interpretar mal" certas passagens - ou seja, que poderiam perceber ao ler a Bíblia que algo estava errado com a Cristandade. Davies explica:

   Seguiu-se uma Era de Trevas, depois da qual, na Idade Média, o controle da Igreja sobre a mente e o corpo era tão absoluto que, em comparação as tiranias totalitaristas do nosso século, parecem quase tolerantes. Questionar uma mera sílaba dos dogmas da Igreja era pedir a morte (Davies, 1984:182).

   Separados das Escrituras por um clero celibatário, os leigos logo foram vítimas das suas doutrinas. Mil e um mitos sexuais foram impingidos aos fiéis, acompanhados de histórias aterrorizantes de tormento eterno para todos que ousassem se desviar do ideal da virgindade. A guerra entre a sexualidade e a espiritualidade havia começado para valer. Os homens e as mulheres se viam forçados a ir em direção contrária à criação e à ordem natural, e lutar contra sua própria "carne" para salvar suas almas.
   O celibato do quarto século e a loucura ascética, moldados mais nos ensinamentos pagãos do que em Jesus ou na Bíblia, logo ameaçaram destruir toda a Cristandade. Brundage nos diz:

   Quando a Igreja se tornou parte dominante da vida romana, assimilou cada vez mais do mundo pagão, ao qual tinha anteriormente sido quase que totalmente alheia. Neste processo, tanto as instituições cristãs como o pensamento cristão foram irrevogavelmente alterados. Estas ocorrências também marcaram o começo de mudanças radicais na maneira como as autoridades tanto da Igreja como do governo lidavam com as questões sexuais (Brundage, 1987:76).

   No oitavo século um sistema imensamente rígido de regras e penalidades para o sexo estava firmemente implantado, abrangendo todo pensamento e ação imagináveis que estivessem relacionados com a sexualidade. Jesus, como o Intercessor Misericordioso, o alegre Mensageiro do amor de Deus e Seu perdão de todos os nossos pecados, bem como a Sua dádiva de Salvação através da fé, foram espezinhados pelo surgimento de um deus ascético que supostamente odiava o sexo e exigia da humanidade sacrifício total e muito sofrimento. A mensagem da condenação logo substituiu as Boas Novas de que até mesmo o mais vil dos pecadores podia achar perdão e ser salvo através de Jesus. Na verdade, "começou a considerar-se que em um milhão de pessoas somente uma podia ter esperança de alcançar o Céu" (Taylor, 1970:69).
   Relatos sexuais na Bíblia foram alterados para se encaixarem na nova imagem não-sexual de santidade. A mecânica de como Maria foi fecundada por Deus e ainda assim permaneceu virgem, era um grande desafio para os anti-sexualistas resolverem. Uma explicação popular era a de que Deus ou o Arcanjo Gabriel fertilizara a santa Maria pelo ouvido ou traquéia, usando um vapor especial (Taylor, 1970:62). Algumas pinturas antigas mostram o Espírito Santo, na forma de uma pomba, descendo com grande velocidade e carregando o esperma de Deus em seu bico. Numa antiga gravura entalhada, o sêmen saiu da boca de Deus e entrou num tubo que era conduzido até debaixo da saia de Maria.
   Naturalmente que uma vez grávida, se viram diante da tarefa de resolver como Jesus podia ter nascido sem ter que tocar ou passar pelas "partes vergonhosas" de Maria, explicando assim por que alguns ensinavam que Jesus saiu dos seios ou do umbigo de Maria. Certos gnósticos insistiam que Jesus não tinha nascido de Maria de forma alguma, mas descera do Céu totalmente formado, evitando assim toda a questão (Davies, 1984:179).
   Referências do Novo Testamento aos outros filhos de Maria depois de Jesus, foram transformados em seus "parentes" e não irmãos literais. (Veja Mateus 12:46; 13:55; Marcos 3:31; Lucas 8:19; João 2:12; Atos 1:14.) Não podia permitir-se que a Virgem Maria fosse vista como alguém muito "maternal", já que ela teria que ter se entregado ao sexo depois que Jesus nasceu, a fim de ter outros filhos, coisa que, se fosse admitida, colocaria o casamento, o sexo e a criação de bebês no mesmo nível espiritual que o celibato. Isso simplesmente não podia ser permitido.

   O Cristo caloroso e pitoresco das Escrituras, que amava o povo, à vontade com Seu próprio corpo e os pequenos prazeres da vida, fora substituído por um celibatário sofredor e solitário que combatia o sexo e também Satanás. O significado da Sua morte e ressurreição que liberta a alma e perdoa os pecados foi obscurecido por longas listas do que fazer e não fazer, indulgências e relíquias sagradas. A mensagem libertadora de Jesus, que veio para que pudéssemos ter vida, e a tivéssemos com abundância (João 10:10), fora grandemente atenuado. Este alegre fabricante de vinho e bebedor de vinho, este amigo de pecadores e prostitutas, este Homem divino que curou no sábado e confundiu e desafiou constantemente as regras religiosas e as ações exibicionistas dos religiosos dos Seus dias, enquanto recebia os cuidados de uma comitiva de mulheres que O adoravam, as quais em muitos casos eram abastadas (Lucas 8:2,3), não era a figura ascética exemplar imaginada por uma igreja celibatária.

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