REFORMA SEXUAL OU UMA NOVA IDADE MÉDIA DECADENTE?

       Diante da crescente disparidade entre as políticas oficiais e as práticas reais, os criadores das normas da Igreja têm sido, cada vez mais forçados a opinar sobre questões inconcebíveis há apenas algumas décadas [1], tendo que aceitar ou rejeitar ensinamentos e práticas sexuais que, na melhor das hipóteses, poderiam dividir sua congregação ou, na pior das hipóteses, alterar ou destruir a essência de sua igreja. Poucas denominações permaneceram indiferentes a essa batalha, como é evidenciado pelo volume de artigos, debates públicos, dissensões e desacordos abertos relacionados com sexo que podem facilmente ser encontrados em muitas publicações e fóruns das principais denominações cristãs.

As vozes da dissensão
       Até o século XX, [boa parte] do Cristianismo e boa parte do mundo ocidental no geral manifestou, por quase 2 mil anos, uma espiritualidade ascética, pouco realista, na qual o plano material e especialmente a sexualidade eram considerados suspeitos, se não verdadeiramente pecaminosos. As investidas atuais contra esta tradição insistem que:

       1) As experiências corporais podem revelar o divino.
       2) A afetividade é tão essencial no verdadeiro amor cristão como a compreensão.
       3) O amor cristão existe não para restringir seres autônomos, mas como a forma apropriada de conexão entre seres que se tornam pessoas humanas ao se relacionarem.
       4) A experiência do prazer corporal é importante para se criar a capacidade de confiar e amar os outros, inclusive a Deus (Gudorf, 1994:217-218).

       Ensinamentos com uma visão negativa do sexo têm sido responsáveis por afastar de igrejas cristãs muitos indivíduos sinceros e sedentos pela verdade, sobrecarregando os fiéis e o clero com preocupações sexuais desnecessárias, vergonha, culpa, confusão, solidão e frustração. Muitos ensinamentos negativos em relação ao sexo, criados pela igreja são ignorados, questionados, reavaliados e até mesmo responsabilizados pela crescente apostasia e antipatia ao cristianismo dentro da sociedade. O Cristianismo como instituição agora está sofrendo em parte por ter aceitado os ensinamentos gnósticos de que a sexualidade humana é essencialmente ruim.

       As igrejas têm procurado subjugar os nossos corpos e nos prender aos seus assentos. - (Rev. Matthew Fox citado por Wright, 1993:209)

       Matthew Fox é um padre dominicano, fundador do Institute in Culture and Creation Spirituality, na faculdade de Holy Names, em Oakland, Califórnia, e autor de diversos livros. Por fazer tais pronunciamentos, como o acima, ele foi "oficialmente silenciado" no final de 1988 pela sua igreja pelo período de um ano. Referindo-se a Martinho Lutero e outros reformadores, Fox comentou ironicamente: "A fama da Igreja Católica Romana por silenciar suas vozes mais proféticas não é nada extraordinária!" (op. cit.,205).
       Fox ridiculariza os conceitos obsessivos de sua igreja quanto ao sexo, o pecado e o celibato, preferindo falar de Deus como desejoso de prazer e de Jesus como alguém terreno e sensual. Ao lermos obras de escritores como Fox, é importante entender as doutrinas dos ensinamentos tradicionais da igreja que estão sendo criticadas. Ao insinuarem que o "pecado original" foi o ato sexual que Eva iniciou ao ser instigada por Satanás, os teólogos dos séculos II, III e IV abriram as portas para uma atitude terrível em relação ao sexo e às mulheres. Estes dois agentes, o sexo e as mulheres, se tornaram os principais culpados pela humanidade ter perdido a sua imortalidade e ter sido retirada da presença de Deus, e trouxeram a maldição da doença, da labuta e da morte para o mundo. Logicamente, se o sexo e as mulheres são ardis de Satanás tão malévolos, então, supostamente, ao se renunciar a ambos, os homens (e as mulheres ao seguir o mesmo exemplo) poderão merecer alguma medida de favor diante de Deus, e começarem a desfazer a maldição que caiu sobre eles (Brown, 1988:86).
       No seu livro, "A Vinda do Cristo Cósmico", Fox escreveu:

       Se me pedissem para resumir numa palavra a mensagem que recebi da minha religião a respeito da sexualidade, eu responderia "lamentação". Acredito que a igreja ocidental, seguindo o espírito de Santo Agostinho, basicamente lamenta o fato de sermos criaturas sexuais e sensuais. "Quem nos dera ficar livres da sexualidade," diz tal mensagem, "poderíamos nos envolver nas questões importantes da fé."

       Quanto mais rápido as igrejas se distanciarem do pensamento de Agostinho de rebaixar as mulheres e a sexualidade, mais rapidamente o pecado original encontrará o seu papel adequado e de pouquíssima importância dentro da teologia (Fox, 1988:163).

       À pergunta: "Jesus praticou o sexo?”, Fox respondeu:

       [A revolução sexual dos anos sessenta] não parou à porta dos mosteiros. Alguns dos maiores monges e padres também tiveram relacionamentos. Lembre-se que, talvez com exceção de João, todos os discípulos de Jesus eram casados. E naturalmente, o próprio Jesus era também um ser humano sexual completo... Ele se desenvolveu biologicamente como qualquer outro ser humano. Ele tinha energia, tinha vitalidade, tinha paixão - tudo isso é energia sexual. Agora, com quem Ele fez amor, ou se Ele o fez, nós não sabemos, mas eu estou convencido do seguinte: devido ao fato de ser judeu, eu não sei como Ele podia viver no celibato. O celibato não faz parte da tradição judia... Obviamente Ele sabia muito a respeito das mulheres e elas eram atraídas a Ele, não somente sexualmente, mas politicamente. (Fox, citado por Wright, 1993:214).

       E o que esse padre dominicano tão franco tem a dizer sobre a vida no celibato?


       Eu não recomendo aos jovens saudáveis que se engajem no sacerdócio atual. Observe que o celibato foi estabelecido pelo Conselho de Trento no século XVI, porque os padres eram iletrados e a igreja queria ensiná-los a ler [e também a se disciplinarem na abstinência] (op.cit.211).

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